sábado, 25 de fevereiro de 2017

UM RASTRO NA CIDADE



 



Tereza, a senhora idosa simpática, pequenina que foi colorida com as cores leves da ingenuidade e pureza de uma menina que não percebeu os cabelos branqueando com o viver sofrido e com as perdas amargas que a vida lhe presenteou.
  
 Com as vestes longas e com os passos curtos, caminha como se tivesse sido diminuída pelo tempo e quisesse ocupar o menor espaço possível para não perturbar as pessoas.

 A pele queimada cobre-lhe os ossos destacados no rosto e nas mãos e as rugas juntaram-se como se quisessem se defender do tempo que se deslizou na sua frente como sombra invisível.

Sonda o mundo que a cerca com os olhos no fundo da face magra e consumida, mas enriquecida pelo semblante inofensivo de criança calada e, talvez, magoada.  

Não aprendeu a ler as letras, mas lê com precisão os olhares que a ela se dirigem, neles identifica a censura, a bondade e a compaixão; lê as cores e a beleza das roupas nas vitrines, os carros cheio de gente que lhe parecem bonecos imóveis indo para algum depósito de uma grande loja de brinquedos distante da cidade.

Caminhando pelas ruas, quando chega o fim da tarde fica sem a mínima vontade de voltar para casa. Essa indisposição passou a existir depois de haver perdido o filho para as lâminas afiadas das drogas. Desde então, sua morada deixou de ser o lar e passou a se vestir com a capa tenebrosa da ausência impossível de suportar. 

Naquele recanto dela e do filho, onde ficaram por muito tempo, ele, animal sequestrado pelo vício, a maltratava enquanto ela, mente que não perdeu a doçura e a serenidade, não deixava de ser a mãe que o amava.

Lembrar-se do filho andando pela cidade tornou-se uma carga menos dolorida. Às vezes, sente-se sem dor, como se fosse outra pessoa, talvez um daqueles bonecos que passam imóveis dentro dos carros indo para o depósito...

 Jorge Lemos

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