terça-feira, 27 de dezembro de 2016

RASTROS EM LAMBARI/MG

            TILAPINHA, Ricardo, pedreiro, roceiro, trabalhador. Quantos adjetivos poderiam ser acrescentados a uma pessoa com esses predicados? Nenhum! Nada pode superar o fato de ser um trabalhador?

Tilapinha, lambariense, mora sozinho, de vez em quando solta-se de si mesmo, do homem sério e cumpridor de seus deveres para viajar numa outra atmosfera.

Esse ambiente, esse mundo paralelo o acolhe e o transforma num ator no palco da existência com o copo de cerveja na mão e, às vezes com um cigarro fumando sozinho — raramente puxa uma tragada.

Todos veem sua representação inofensiva nas calçadas, supermercado ou bar, aqui principalmente quando vai reabastecer...

Fala de si para si o tempo todo. Resmunga nos intervalos das palavras “não é verdade?” e outras sem sentido para nós.

O relaxamento vindo do copo esvaziando-se lentamente libera seus resmungos e palavreados, dá-lhe a chave para abrir a porta do cofre onde estão seus guardados mais profundos e agudos, tais como: amor não correspondido, desgosto pelo dia a dia repetitivo e sem graça, sonhos não realizados e já mofados no canto da memória — dores que latejam e o acompanham mesmo contra a sua vontade.

Quando ingressa nesse mundo especial ele é senhor de si, é o rei de seu reinado, o comandante máximo de suas ações, o pedreiro que não vai construir coisa alguma, o trabalhador que não vai trabalhar em lugar nenhum.

No recanto onde se refugiou, pode ver as grades enferrujadas das jaulas que o prenderam desmanchando-se na lama junto com as obrigações que lhe foram impostas durante a semana cheia de suores.

Agora navegando em águas mansas e sem obstáculos, olha tudo, mas não enxerga nada, fala, mas ninguém o escuta, existe, mas ninguém consegue vê-lo — apenas um zero a mais somando a outros nas ruas dessa pequena e bela cidade de Lambari.




Jorge Lemos



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