TILAPINHA,
Ricardo, pedreiro, roceiro, trabalhador. Quantos adjetivos poderiam ser
acrescentados a uma pessoa com esses predicados? Nenhum! Nada pode superar o
fato de ser um trabalhador?
Tilapinha, lambariense, mora sozinho, de vez em quando solta-se de
si mesmo, do homem sério e cumpridor de seus deveres para viajar numa outra
atmosfera.
Esse ambiente, esse mundo paralelo o acolhe e o transforma num
ator no palco da existência com o copo de cerveja na mão e, às vezes com um
cigarro fumando sozinho — raramente puxa uma tragada.
Todos veem sua representação inofensiva nas calçadas, supermercado
ou bar, aqui principalmente quando vai reabastecer...
Fala de si para si o tempo todo. Resmunga nos intervalos das
palavras “não é verdade?” e outras sem sentido para nós.
O relaxamento vindo do copo esvaziando-se lentamente libera seus
resmungos e palavreados, dá-lhe a chave para abrir a porta do cofre onde estão
seus guardados mais profundos e agudos, tais como: amor não correspondido,
desgosto pelo dia a dia repetitivo e sem graça, sonhos não realizados e já mofados
no canto da memória — dores que latejam e o acompanham mesmo contra a sua vontade.
Quando ingressa nesse mundo especial ele é senhor de si, é o rei
de seu reinado, o comandante máximo de suas ações, o pedreiro que não vai
construir coisa alguma, o trabalhador que não vai trabalhar em lugar nenhum.
No recanto onde se refugiou, pode ver as grades enferrujadas das
jaulas que o prenderam desmanchando-se na lama junto com as obrigações que lhe
foram impostas durante a semana cheia de suores.
Agora navegando em águas mansas e sem obstáculos, olha tudo, mas
não enxerga nada, fala, mas ninguém o escuta, existe, mas ninguém consegue vê-lo
— apenas um zero a mais somando a outros nas ruas dessa pequena e bela cidade
de Lambari.
Jorge Lemos
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